A nova versão do amor
Não
fale demais se não quiser afastá-lo. Deixe de falar e então poderá
perder oportunidades incríveis ao lado dele. Confuso isso?
Está
só no começo. Não pode sorrir muito e deixar transparecer o quanto
te agrada vê-lo porque isso vai assustá-lo. Não pareça tão fria
e seca, assim fica sem graça. Não pode usar vestido muito curto,
vão pensar que não tem valor, família e decência. Roupas sérias
demais e você parecerá a sua avó. Não acaricie os cabelos dele
nem abrace muito apertado porque vai parecer romântica e isso soa
cafona nos dias de hoje.
Vem
cá, quando é que a gente vai poder ser a gente mesmo?
Dizer
que está com saudades então? Jamais! Trate de engolir a saudade com
a ajuda de água ou um gole generoso de bom senso. Admitir uma
saudadezinha hoje é sinônimo de vulnerabilidade,equivalente a pular
de um prédio de quarenta-e-cinco-andares e a gente já sabe que o
resultado será a sua cara no asfalto. Então, vai lá menina, empina
esse nariz e mostra sua cara de má e seu coração de pedra.
O lance
é esse: seja enigmática, seja misteriosa, seja outra pessoa que
ninguém mais sabe ser. É tão fácil, basta seguir as regras.
Finja! É só fingir que não sente, que não dói, que não quer e
que não se importa.
No
jogo do não pode isso e não pode aquilo, a gente já não sabe mais
onde começa a própria essência e onde termina o personagem que
escolhemos para conquistar alguém que a gente nem sabe se também
está só atuando. São tantos atores que eu quase me esqueço que
era pra viver intensamente e de verdade. Mas, quem é que vive de
verdade quando tem que podar tudo o que transborda da gente? Quem é
que vive intensamente quando precisa jogar constantemente? Ando
mentindo tanto e medindo tão bem meus passos que quando encontro uma
calçada portuguesa pulo entre os quadrados pretos porque já acho
que é um tabuleiro.
Eu não sei se realmente as pessoas se
tornaram tão banais ou se está todo mundo apavorado demais,
morrendo de medo de amar e terminar com o estômago vazio outra
vez.
Não pode arriscar porque as fichas são poucas e todo mundo
que arriscou saiu perdendo até o que não tinha. E é por isso que
hoje eu ando com as mãos vazias. Levo no peito uma coragem tão
firme quanto prego na areia, mas pelo menos tento.
Confesso que no
meio disso tudo eu às vezes me perco e não faço a menor ideia do
que estou fazendo. Daí me dou conta de que a metade minha que
aceitou atuar está quase engolindo a minha metade verdadeira e eu
acho isso tão triste.
Não pode soar apaixonada de-jeito-nenhum,
mesmo que amanhã tudo mude porque ainda é hoje e hoje não vale
gostar de ninguém porque gostar dói. Ganha quem tem mais juízo e
sabe domar o gesto, o beijo, o tesão e aquelas vontades absurdas de
estar ao lado apenas para passar o tempo. Perai, quem é que a gente
queria enganar mesmo?
A gente nem reparou o quanto anda perdendo
nessa mania tão estranha de criar muros invisíveis onde ninguém se
aproxima. Tantos limites e regras fazendo parte de coisas mais
simples que até piscar em direção a quem se gosta depende de
burocracias. Mentindo sobre nós mesmos, batemos no peito com orgulho
do nosso coração petrificado e vazio. Acreditamos que com tanta
farsa nos manteremos no controle da vida e evitaremos o sofrimento.
Sem perceber, a gente vomita ar sempre que volta para casa e sente
que ficou faltando alguma coisa por dizer ou por fazer. Mas a vida é
complicada e não importa o que você perdeu ontem, se não desistir
ainda pode tentar outra vez e ganhar amanhã. Mesmo que perca outra
vez, a vida sempre continua e vive melhor aquele que não tem
medo.
Ei, eu sei que viver machuca. Entregar-se esfola. Acreditar
nos desmorona. Mas, qualquer coisa dói menos do que ficar escondido
no canto cultivando covardia. E ainda seguindo regras e interpretando
personagens que, francamente, só nos privam de sentir a verdadeira
felicidade.
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Obrigada por ler *-*